sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Bebés com manhas ou adultos com manhas


Hoje no zapping pelo facebook li um texto que gostei muito e decidi colocá-lo aqui, para que possam ler também.
Fala de certas atitudes que às vezes os pais têm, devido às pressões das outras pessoas, sobre colo, mama, etc.
Tenho a dizer que podem pressionar-me o que quiserem, eu não deito o M na cama dele com ele a gritar em plenos pulmões, prefiro que ele adormeça comigo. O M ainda mama, com 15 meses, e somos muito felizes assim, não precisam de dizer que ele se habitua, sinceramente...não quero saber!
Por fim, quanto a dormir na nossa cama... por norma ponho-o na caminha dele, de forma a que todos descansamos melhor, mas se ele acorda a meio da noite a chorar, e não se acalma, possivelmente na sequência de um pesadelo, eu deito-o connosco e ele fica muito mais descansado. Na realidade, sabe bem a ele e sabe-nos bem a nós.
Mas já chega de falar de nós...segue-se o texto:
Hoje gostava de vos convidar a fazer uma pequena reflexão comigo.
Diariamente nos meus encontros com pais e bebés vejo que por vezes as sugestões que eu dou são recebidas com alguma surpresa, ou até desconfiança ou frustração.
Quando falo do colo, quando procuro demonstrar que a solução para um bebé desenvolver uma boa relação com o sono não passa por adormecer a chorar sozinho no berço com os pais ao lado (quantas vezes a chorar também), quando proponho estratégias verdadeiramente pacíficas para pais e filhos descansarem melhor, sei que estou a dar informação muito diferente daquela que os pais ouviram em muitos outros lados.
E compreendo o medo.
Afinal, até verem o que acontece e como não é necessário usar a força para nada com os nossos bebés, é difícil confiarem em mim.
E quando me perguntam o porquê de eu sugerir abordagens tão diferentes eu fico sem saber o que dizer. Eu sei explicar-vos, apoiada naquilo que a Ciência tem descoberto sobre os nossos bebes e também na minha experiência com centenas de bebés ao longo destes anos, o porquê de o choro não ser necessário para nada.
Posso dizer-vos também que nos centros de referencia em Portugal e na Europa, onde se trabalha com bebés que choram muito, os métodos que acrescentam mais choro à equação não são sequer uma alternativa a considerar.
Mas honestamente, não consigo mesmo explicar-vos o porquê de, ainda assim, continuarem a ser tão frequentes as recomendações que minam os pais do medo de dar colo, ou mama, ou de estarem ao pé dos seus filhos para adormecer, embora não sejam fundadas em mais nada a não ser, aparentemente, a cultura vigente há décadas.
Por baixo do azul bebé e cor de rosa, por baixo das frases fofinhas, do politicamente correcto, por baixo de palavras que dão um pretenso apoio a pais e mães aflitos, continua a existir uma cultura que valida de forma mais ou menos subtil a violência para com as nossas crianças e para connosco próprios, pais.
Desde os dias na maternidade, ou ainda in útero, ela está presente em cada frase que é dita aos pais e que fala de recém-nascidos “manhosos” ou “viciados” em mama, colo ou na companhia do adulto. Está presente em cada ameaça velada: “habitue-o a isso e depois vai ver…”.
Está presente em cada conselho que reproduz subtilmente esta ideia de que o bebé é um incómodo para o adulto, que se tornará intolerável se deixado à solta, por domar.
Esta é uma cultura que é perpetuada por eventuais boas intenções, mas que semeia a agressividade e a desconfiança entre nós e os nossos bebés. É um paradigma com muitos anos.
E é difícil que as coisas mudem de repente, é verdade.
Mas a Ciência – a boa Ciência que fala da fisiologia e das necessidades dos bebés- está aí, existe há muitos anos, disponível para os profissionais que queiram verdadeiramente saber.
Mas mesmo para quem não o queira fazer, não importa. Porque na verdade não estamos a falar de ideologia ou de uma teoria vs outra teoria. Não estamos a discutir a rotina A ou B. Não estamos a discutir se se pousa e levanta o bebé 50 vezes para supostamente adormecer sozinho, não estamos a discutir se se diz que “não” a mais um pedaço de chocolate ou se se obriga a criança a ficar à mesa até acabar a sopa.
Estamos a falar de direitos básicos das crianças.
Um post num blog, lido esta semana, que fala da importância e do dever de educar e que defende orgulhosamente um par de estalos dados a uma criança de dois anos. Por uma mãe que alegadamente tem a seu cargo funções públicas de protecção de menores.
Um livro que para ensinar a dormir sozinho em 10 dias sugere que é normal que os bebés chorem até vomitar durante o processo ou, pior, que uma criança que vomite recorrentemente na hora de ir para a cama, seja colocada uma noite a dormir nessa mesma cama vomitada, chamando-se a isso, não uma violação dos direitos mais elementares de dignidade, higiene ou protecção, mas antes “remédio santo” para que a criança deixe de o fazer.
Estes são apenas dois exemplos.
Em redor são poucas as vozes que parecem achar que há aqui algo de errado. Não. Estranhamente, há uma espécie de consenso geral de que “são precisas regras”, de que sem elas teremos uma geração perdida.
Quem sabe até pequenos tiranos de fraldas a governar-nos, após um terrível golpe de estado, que colocaria bebés e crianças -criados sem regras- no poder.
Pergunto-me humildemente se teremos enlouquecido?
O Amor, a Educação, a consistência e a autonomia continuam a ser os valores utilizados para justificar este tipo de recomendações.
Ora, eu peço-vos apenas que apelemos ao nosso bom senso.
Qualquer que seja o nosso estilo de ser pais e mães, apelemos meramente ao bom senso.
Porque, digo-o claramente, estas recomendações não são compatíveis com estes valores.
Amor e uma criança a dormir numa cama vomitada não são compatíveis. Em contexto nenhum.
Dois estalos na cara de uma criança de dois anos, até poderiam ser fruto de um momento de desespero dos pais, de um deslize irracional, de algo que idealmente devia ser alvo de reflexão posterior para que não voltasse a acontecer. Nunca algo admissível de apologia pública.
Já temos no nosso quotidiano demasiados actos de desespero e falta de paciência (eu incluída) para com os nossos filhos, para que se reforce esta cultura de que não há limites para os meios usados quando se está supostamente a ensinar ou a educar.
Porque não é só o objectivo final que conta, cada passo do caminho para lá chegar é igualmente importante. E não, não vale tudo.
Os pais filtram, pois claro que filtram. Os pais são aqueles que têm verdadeiramente e à partida o melhor interesse da criança presente. Mas a capacidade de filtragem dos pais não deixa de ser contaminada pela persistência da cultura em volta. Uma cultura que mina o instinto de protecção, de educação… que mina o mero bom senso.
Os pais filtram e tomam as suas decisões, mas isto não legitima mesmo assim que seja feita a apologia pública do impensável por parte de profissionais.
Acontece que o amor não é só uma coisa que se diz. O Amor não é algo que, por marketing, se mete a torto e a direito nas frases, para validar recomendar o impensável.
Respeitar a criança e os seus direitos nada tem a ver com permissividade, deixar andar ou ser “relaxado”.
Esse é mais um argumento desonesto que é colocado numa discussão enviesada e da qual nunca surtirão frutos. Porque não estamos simplesmente a discutir a mesma coisa.
Portanto em vez de vos explicar o porquê de aquilo que eu defendo ser tão diferente do que os pais ouvem por aí, pergunto-vos antes:
Como poderia alguma vez ser igual?
Isto que hoje escrevo e que partilho convosco é a minha opinião como profissional, mas também como mulher, mãe, cidadã e como mero ser humano.

Fonte: https://www.facebook.com/constancacordeiroferreira

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